Iluminura de Ariano Suassuna ensinandoartesvisuais.blogspot.com |
Aqui morava um Rei, quando eu menino:
vestia ouro e Castanho no gibão.
Pedra da sorte sobre o meu Destino,
pulsava, junto ao meu, seu Coração.
Para mim, seu Cantar era divino,
quando, ao som da Viola e do bordão,
cantava com voz rouca o Desatino,
o Sangue, o riso e as mortes do Sertão.
Mas mataram meu Pai. Desde esse dia,
eu me vi, como um Cego, sem meu Guia,
que se foi para o Sol, transfigurado.
Sua Efígie me queima. Eu sou a Presa,
Ele, a Brasa que impele ao Fogo, acesa,
Espada de ouro em Pasto ensangüentado.
*
Infância
Sem lei nem Rei, me vi arremessado,
bem menino, a um Planalto pedregoso,
Cambaleando, cego, ao sol do Acaso,
vi o mundo rugir, Tigre maldoso.
O cantar do Sertão, Rifle apontado,
vinha malhar seu Corpo furioso.
Era o Canto demente, sufocado,
rugido nos Caminhos sem repouso.
E veio o Sonho: e foi despedaçado.
E veio o Sangue: o Marco iluminado,
a luta extraviada e a minha Grei.
Tudo apontava o Sol: Fiquei embaixo,
na Cadeia em que estive e em que me acho.
a sonhar e a cantar, sem lei nem Rei.
*
Dom
Se a visagem da Morte - a dura Garra -
para sempre meu Sangue penetrou,
deu-me a Fonte-sagrada, e, sem amarras,
esta Voz em meu sangue se selou.
A visão do Nefasto, sol da Amarga,
todo o sangue do Mundo envenenou.
Nunca mais fui o mesmo, pois a Marca,
ao sol cruel do Sono, me apontou.
Mas, se fui para sempre assinalado,
achei o Veio, a chama do Tesouro,
que a Morte é sonho, a Vida é fogo e treino.
E, se o selo do Sol me tem, marcado,
me deu o Dom de, em três Bocais-de-ouro,
fazer ouvir as trompas do meu Reino.
Ariano Suassuna (1927-)
CADERNOS DE LITERATURA BRASILEIRA. Rio de Janeiro: Instituto Moreira Salles, nº 10, nov. 2000. pp. 140-143.
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