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23/08/2013

Il Postino #6


 
Oi, minha gente,

  Hoje, eu tentei, JURO QUE TENTEI, gravar o video pra vocês, mas ficou difícil pra mim, tentei três vezes, ficou até bom, mas não o bastante. Vão as fotos mesmo, porque eu estou MUITO FELIZ de ter recebido esses livros lindos!! 
  Margarida, minha amiga-irmã do facebook, já tinha me mandado alguns há mais de um ano, mas eu não tinha a ideia ainda de fazer uma coluna de correio. Chegou a segunda ruma de livro, acordei quase de meio-dia com o carteiro tocando a campainha!! Que alegriaaaa *-*
  Tava tão preocupada de eles não chegarem, mas enfim, ESTÃO AQUI!! 
  Então, vocês sabem que o primeiro que eu pedi a ela foi um de Mia Couto, que eu tava doida pra ler algo dele. Já tinha lido uns trechos, e amei muito, coloquei até um dos poemas dele aqui no blog, tão bonito que não queria nem postar nada depois. 
  O que ela me mandou se chama Vozes Anoitecidas, e daqui a pouco, de curiosa, vou começar a ler. 
  Ela disse também que ia me enviar Memorial do Convento, de Saramago, mas não pôde porque setembro começam as aulas lá, então o livro esgota rapidinho, aí o enviado foi Intermitências da Morte. Os livros de Saramago e Couto são editados pela Companhia das Letras aqui no Brasil, e os que ela enviou foram todos da BIS LeYa.
  Eu já sabia que ia ganhar outro de Florbela Espanca, dessa vez os contos e diário no mesmo livro. Tenho o de Sonetos, que amo de verdade. Florbela bem merece o título de poetisa-musa portuguesa.
  Os outros, eu não sabia quais seriam, e estou realmente ansiosa para ler todos. Esse último é um caderno novo, que eu pedi a ela também, porque o meu já está quase acabando. Acho tão lindos os notebooks da book.it! Meu sonho era ir numa livraria de lá. 
  Vieram também alguns marcadores e um postal, adorei tudo! Thank you so much, miss!! =)




















23/05/2013

Pergunta-me (Mia Couto)


"Pergunta-me" 

Pergunta-me
se ainda és o meu fogo
se acendes ainda 
o minuto de cinza
se despertas
a ave magoada
que se queda
na árvore do meu sangue

Pergunta-me
se o vento não traz nada
se o vento tudo arrasta
se na quietude do lago
repousaram a fúria
e o tropel de mil cavalos


Pergunta-me
se te voltei a encontrar
de todas as vezes que me detive
junto das pontes enevoadas
e se eras tu
quem eu via
na infinita dispersão do meu ser

se eras tu
que reunias pedaços do meu poema
reconstruindo
a folha rasgada
na minha mão descrente

Qualquer coisa
pergunta-me qualquer coisa
uma tolice
um mistério indecifrável
simplesmente
para que eu saiba
que queres ainda saber
para que mesmo sem te responder
saibas o que te quero dizer

- Mia Couto -
Do livro "Raiz de Orvalho e outros poemas"


            Da página do Facebook: Flores e Poesias



08/03/2013

Almeida Faria sobre Ariano Suassuna


Almeida Faria (centro) e Ariano Suassuna (dir.) na palestra sobre Utopia, Messianismo e Sebastianismo. VIII Fliporto - Olinda, Pernambuco, Brasil. 16/11/2012. 

                                     A espera cíclica de uma solução 
O escritor português Almeida Faria conversou com o blog literário e nos falou da sua admiração por Ariano Suassuna, que estará ao seu lado numa das mesas da Fliporto e da força da expressão “sebastianismo” no mundo atual.
1 – O senhor poderia falar um pouco da sua impressão em relação à obra de Ariano Suassuna, que estará ao seu lado numa das mesas da Fliporto?
 - A minha relação com a obra de Suassuna começou vai para meio século e vem progredindo por saltos e acasos. Em mil novecentos e sessenta e quatro, por um golpe de sorte, descobri num alfarrabista da Rua do Poço dos Negros, em Lisboa,Uma Mulher Vestida de Sol, sua primeira peça. O poético título, inspirado noApocalipse, levou-me a comprar sem hesitar aquela edição da Universidade do Recife, de capa amarelo torrado, com um sol vermelho baço sobre fundo acastanhado.
Tinha eu vinte e poucos anos, publicara dois romances e sonhava escrever teatro. Porém, no Portugal de então, havia um óbice capaz de desencorajar quaisquer veleidades teatrais: a imprensa periódica, o cinema e o teatro eram submetidos a uma férrea Censura Prévia. A ditadura de Salazar achava que, num país maioritariamente analfabeto, mais perigosos e potencialmente mais subversivos que os livros eram alguns espectáculos. Autores como Sartre, Peter Weiss e outros não eram encenáveis nem, nalguns casos, publicáveis. Assim se explica que boa parte da minha geração desconhecesse Suassuna até ao sucesso doAuto da Compadecida. O qual, graças às mil maravilhas do You Tube, vi no meu computador.
Por uma dessas coincidências que o surpreendente espectáculo da vida por vezes nos reserva, há anos viajei com Selton Mello, o Chicó pícaro da mais recente versão do Auto da Compadecida, num voo São Paulo-Rio. Ambos tínhamos assistido na véspera, em São Paulo, à antestreia de Lavoura Arcaica, filme baseado no romance de Raduan Nassar, amigo de longa data, em que Selton era o protagonista.
Das muitas peças de Suassuna, li mais três além da primeira: O Santo e a Porca,na qual Santo António, o casamenteiro de Lisboa ou de Pádua (tanto faz) é um excelente exemplo de „graça e astúcia cabocla“ (palavras de Carlos Drummond de Andrade); O Casamento Suspeitoso; e, enfim, A Pena e a Lei.
Em mil novecentos e sessenta e oito, sendo eu escritor residente nos Estados Unidos, palestrei em diversas universidades e numa delas conheci um bem disposto professor brasileiro que me contou como começara a sua fugaz carreira teatral encarnando a personagem de Joaquim na montagem inicial de A Pena e a Lei no Teatro do Parque, aqui ao lado.
Nos anos setenta comprei o Romance d´A PEDRA DO REINO e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta, cuja epígrafe de abertura é uma frase atribuída a „DOM SEBASTIÃO, O DESEJADO – Rei de Portugal, do Brasil e do Sertão“. As maiúsculas do título e da epígrafe não são minhas, são da edição original que anotei e sublinhei.
Estas sucessivas aproximações às ficções de Suassuna dão-me a impressão de conhecê-lo já há décadas. Na verdade, nunca nos encontrámos.
- Em que medida a expressão “sebastianismo” ainda decifra o povo português ou mesmo o brasileiro, já que tivemos movimentos de sebastianismo ao longo da nossa história?
- Não sei se "decifra" ou não. Quanto aos portugueses, o sebastianismo é uma forma de messianismo, é a espera cíclica de uma solução vinda de fora, uma frágil fé ou esperança a que nos agarramos em momentos de aflição. D. Sebastião foi um pobre-diabo e uma figura trágica. O príncipe D. João, seu pai, morreu aos dezasseis anos, antes mesmo de o filho nascer. A mãe, Dª Joana de Áustria, filha do imperador Carlos V e portanto irmã de Felipe II, rei de Espanha, casou aos dezanove anos e ficou viúva menos de um ano depois. Cumprido o dever de dar um herdeiro à coroa portuguesa, regressou a Madrid onde fundou o mosteiro das Descalças Reais para ela própria e nele viveu até morrer. Nunca mais viu o filho. Já em criança cognominado o Desejado, órfão de pai e abandonado pela mãe, D. Sebastião foi educado pelos jesuítas e pela avó, Dª Catarina de Áustria, num caldo cultural que o levou a sonhar ser um herói, virgem como Galahad e imortal como outros cavaleiros da Távola Redonda. Tinha vinte e quatro anos quando, para escapar à obrigação de casar, decidiu sem mais nem quê ir atacar os “infiéis” no Norte de África Em Agosto de 1578, após uma viagem em centenas de barcos, à frente de um exército parcialmente formado por milhares de mercenários de toda a Europa, o incauto rei, perseguindo o “inimigo” que fingia fugir dele, avançou deserto a dentro. Sob um sol fulminante, com homens e cavalos sequiosos, exaustos, num lugar chamado Alcácer Quibir, os cristãos foram em poucas horas massacrados e o rei nunca mais foi visto. Alguns dos grandes do reino, distinguíveis pela riqueza das armas e armaduras, e pela raça e jaezes dos cavalos, foram poupados a fim de serem trocados por rendosos resgates. Como a nobreza devia morrer pelo rei ou com o rei, os sobreviventes fizeram constar que o rei desaparecera, que se tornara Encoberto e iria voltar. O país inteiro ficou à espera dele. Sem filhos nem irmãos, o seu sucessor mais próximo era o tio e primo em segundo grau, Felipe II, rei de Espanha e de um mundo “onde o sol nunca se punha”. Melhor que eu aqui em duas linhas, o poeta Hans Magnus Enzensberger conta aliás esta história sebástica, em discurso direto que me é atribuído, num dos brilhantes ensaios de Ach Europa! (A Outra Europa. Impressões de sete países europeus, com um epílogo de 2006, na edição brasileira da Companhia das Letras). O primeiro profeta do Encoberto foi o visionário Bandarra, um sapateiro nascido em Trancoso no ano em que os portugueses chegaram ao Brasil. Retomando a lenda céltica de um rei adormecido numa ilha envolta em névoa, publicou as Trovas anunciando a vinda do rei Encoberto. Naqueles turvos tempos de Contra- Reforma, boa parte da Igreja Católica preferia a santa ignorância, e quem conhecesse um pouco do Antigo Testamento era suspeito. Acusado de judaísmo, o sapateiro foi preso e levado, em 1541, numa das sinistras procissões que antecediam os autos-da-fé. Não se sabe porquê, escapou à fogueira. No século seguinte surgiu o missionário do sebastianismo, aquele luso-brasileiro Padre Vieira a quem Fernando Pessoa chamou “imperador da língua portuguesa”. Igualmente perseguido e preso pela Inquisição, valeu-lhe a proteção do rei, que o mandou em secretas e delicadas tarefas diplomáticas à Holanda e a Roma. Regressado a Portugal, teve o cuidado de deixar inédito o magno tratado milenarista e bíblico intitulado História do Futuro. Mais perto de nós, o mito encontrou o seu mais inspirado defensor em Fernando Pessoa, que põe na boca do Desejado a defesa da sua orgulhosa loucura:
Louco, sim, louco porque quis grandeza Qual a sorte a não dá (…) Sem a loucura, que é o homem Mais que a besta sadia, Cadáver adiado que procria.
No meu romance O Conquistador narro o aparecimento fantástico de uma criança fisicamente semelhante a D. Sebastião, na manhã enevoada de um dia de São Sebastião, vinte de Janeiro, dia do nascimento do rei. O incipit romanesco acontece a vinte de Janeiro de 1954, quatro séculos exatos, dia por dia, sobre a data em que nasceu o Desejado. Mas o meu protagonista tem outras ambições, e são outras as suas conquistas. Em manhãs de nevoeiro ouve-se aqui dizer que é um dia ideal para D. Sebastião voltar. E hoje mesmo, 3 de novembro, no Público, o mais prestigiado diário português, o acutilante cronista Vasco Pulido Valente termina assim o seu artigo de opinião sobre a desgraça financeira e política do país: “Se alguém encontrar D. Sebastião numa manhã de nevoeiro, por favor escreva para este jornal.”

06/03/2013

Reflexões para o Dia Internacional da Mulher #4



REFLEXÕES PARA O DIA INTERNACIONAL DA MULHER 4

Chega-me ainda a voz de meu velho pai como se ele estivesse vivo. Era essa voz que fazia Deus existir. Que me ordenava que ficasse feia, desviçosa a vida inteira. Eu acreditava que nada era mais antigo que meu pai. Sempre ceguei em obediência, enxotando tentações que piripirilampejavam a minha meninice.

MIA COUTO

No conto "Saia almarrotada", do livro "O Fio das Missangas"

Photo by © Jacques Taberlet

através da página Mia Couto, no Facebook:

Reflexões para o Dia Internacional da Mulher #3



REFLEXÕES PARA O DIA INTERNACIONAL DA MULHER 3

Apenas quando chorava me sobrevinham belezas. Só a lágrima me desnudava, só ela me enfeitava. Na lágrima flutuava a carícia desse homem que viria. Esse aprincesado me iria surpreender. E me iria amar em plena tristeza. Esse homem me daria, por fim, um nome. Para o meu apetite de nascer, tudo seria pouco, nesse momento.

MIA COUTO

No conto "Saia almarrotada", do livro "O Fio das Missangas"

Photo by © Nicholas Wiesnet

através da página Mia Couto, no Facebook:

Reflexões para o Dia Internacional da Mulher #2



REFLEXÕES PARA O DIA INTERNACIONAL DA MULHER 2

A mim, quando me deram a saia de rodar, eu me tranquei em casa. Mais que fechada, me apurei invisível, eternamente nocturna. Nasci para cozinha, pano e pranto. Ensinaram-me tanta vergonha em sentir prazer, que acabei sentindo prazer em ter vergonha.

MIA COUTO

No conto "Saia almarrotada", do livro "O Fio das Missangas"

Photo by © Eric Lafforgue

através da página Mia Couto, no Facebook:

Reflexões para o Dia Internacional da Mulher #1



REFLEXÕES PARA O DIA INTERNACIONAL DA MULHER

Nós, mulheres, estamos sempre sob a sombra da lâmina:
impedidas de viver enquanto novas; acusadas de não morrer quando já velhas.

MIA COUTO

No livro "A Varanda do Frangipani"

Photo by © Pierangelo Gramignola

através da página Mia Couto, no Facebook:

"Pirata", por Sophia de Mello Breyner Andresen



Sou o único homem a bordo do meu barco.
Os outros são monstros que não falam,
Tigres e ursos que amarrei aos remos,
E o meu desprezo reina sobre o mar.

Gosto de uivar no vento com os mastros
E de me abrir na brisa com as velas,
E há momentos que são quase esquecimento
Numa doçura imensa de regresso.

A minha pátria é onde o vento passa,
A minha amada é onde os roseirais dão flor,
O meu desejo é o rastro que ficou das aves,
E nunca acordo deste sonho e nunca durmo."

09/12/2012

Ser Poeta (Florbela Espanca) por Luís Represas


118º aniversário de Florbela Espanca a 08.12.2012




Vitorino Nemésio refere a aura quase mitológica, como se de uma lenda se tratasse, que se gerou em torno de Florbela, a que não é, provavelmente, alheio o seu trágico percurso e a forma como o retratou nos seus versos: A rapidez com que a lenda se apoderou de Florbela mostra bem como estamos em presença - creio que pela primeira vez na literatura portuguesa - de uma poetisa musa. Mais do que isso: de uma deiade ou de um duende, um ser mitológico de que já alguns poetas autênticos (Manuel da Fonseca, por exemplo) se apoderaram para dele fazer a alma da planície alentejana, «genius loci» errante entre o piorno e as estevas. (Vitorino Nemésio, «Florbela», in «Conhecimento da Poesia»).

Fonte: http://www.citi.pt/cultura/literatura/poesia/florbela_espanca/nemesio.html


10/04/2012

Florbela Espanca (As Minhas Mãos)


Florbela Espanca (1894-1930)
As minhas mãos magritas, afiladas,
Tão brancas como água da nascente,
Lembram pálidas rosas entornadas
Dum regaço de Infanta do Oriente.

Mãos de ninfa, de fada, de vidente,
Pobrezinhas em sedas enroladas,
Virgens mortas em luz amortalhadas
Pelas próprias mãos de oiro do sol poente.

Magras e brancas... Foram assim feitas...
Mãos de enjeitada porque tu me enjeitas...
Tão doces que elas são! Tão a meu gosto!

Pra que as quero eu - Deus - pra que as quero eu?
Ó minhas mãos, aonde está o Céu?
...Aonde estão as linhas do teu rosto?


Espanca, Florbela. Sonetos. Cidade do Porto: Porto Editora, 2010. p. 108.

06/04/2012

Nuno Júdice (Rimbaud Inverso - I)


                                        




Nuno Júdice


RIMBAUD INVERSO            
                                
                                                  




O pastiche é um pastis




(fragmentos)








oblíquos carros do matinal clamor
murmúrio de séculos afogados bebendo ternura
fogo do deus solar oferecendo-se para fechar os olhos
à força e à beleza abraçadas no poder desmedido da Vida
oiro de lâminas escritas na ventura excessiva da juventude
portais escancarados lassos de olhos do deserto nocturno
estações morrem e florescem naqueles que, longe da divina claridade,
descobrem a partida eterna do sol desejado — por quê? — 
num porto regressado das brumas imóveis ascendidas da barca do outono
crucificaram a chuva encharcando o pão podre de farrapos, lama e fogo
esplêndidas cidades de paciência ardente armadas
na aurora raiada de real ternura de armas veladas
de espécies retardadas na morte dos queixumes sórdidos 
moderados pelos silvos pestilentos de um cântico de dentes
as eternas recompensas caem em cima de um cadáver de luz


JÚDICE, Nuno. Obra Poética (1972-1985). Quetzal Editores: Lisboa, 1999. 2a edição. p. 323










10/10/2011

CARTA XIV - Diogo Bernardes


CARTA XIV.


De fama escura, ou clara nos faz dignos
Ou seja com mentira, ou com verdade.
O' ditosos espiritos peregrinos
Quem vos naõ ama, e teme, naõ entende
Que podeis fazer dos mortaes divinos.
Com força do tempo se defende
Huns pondes no Inferno, outros no Ceo,
O vosso poder só tanto s'estende.
Que mais á Poesia mereceo
Jupiter, que Plutaõ, eraõ irmãos,
Vejaõ ond'hum sobio, outro deceo.
A causa disto foy ter largas mãos
O que ficou a cima dos Planetas,
O outro tinha os dedos mais villãos.

Dissera maravilhas dos Poétas
A muyto pouco custa da memoria,
Mas pera que, pois te naõ saõ secretas?
Pesa-me não poder em nova historia
Dos Lusitanos Reys a origem clara
Levar ao templo da immortal memoria.
Não por falta de ingenho e invenção rara,
Estilo e arte, que Febo em tal sogeito
Desusados conceytos me inspirara.
Mas sabes de que nace este defeito?
De não ver neste tempo hum novo Augusto
A quem taõ bom trabalho seja aceito;
Logo necessario he, não digo justo,
Negar-me a meu desejo, por buscar
Cousa que á pobre vida faça o custo.
O mais fuja de mim, levem ao mar
Os seus tesouros Tejo, Hermo, e Patollo,
Quem naõ cobiça he bom de contentar.  


BERNARDES, Diogo. O Lyma. Nova edição. Lisboa, 1820. p. 177.

19/09/2011

A Épica Portuguesa no séc. XVI - Fidelino de Figueiredo


«CAPITULO DECIMO QUINTO
ANTONIO FERREIRA E A IDEA FIXA DA EPOPEA

 A pequena obra deste poeta é um documento importante para a história do convivio litterario na primeira metade do seculo XVI, para a reconstituição da ideologia moral e esthetica que enchia o espirito dum renascentista português do grande seculo e tambem para a historia da critica litteraria, por conter discussão de valores e affirmação de technicas e de methodos de trabalho. Sob este ultimo aspecto já a utilisei na monographia que em 1910 redigi ácerca da historia da critica em Portugal.
 Muito poucas, mas muito firmes ideas enchem a obrinha de Ferreira: louvor da lingua portuguesa e necessidade e dever de a cultivar e preferir a todas; panegyrico e pintura da ideal belleza e do ideal amor; dôr da perda desse alvo do amor platonico e desse modelo de debuxo; queixas contra a publica indifferença pela poesia; elogio da simplicidade e da vida retirada, e, em reacção ou contra-partida, caloroso encomio da vida heroica; conselhos de moderação, sabedoria e justiça aos reis e aos collaboradores da governação publica; e exhortações aos poetas amigos para que entoem cantos à gloria portuguesa.
 Verdadeiramente estes conceitos da opportunidade da poesia heroica, para a qual repetidamente se confessa inapto, da abundancia de themas nacionaes, da alta funcção da poesia heroica tida por suprema recompensa e poderoso estimulo de novos emprehendimentos foram em Ferreira ideas fixas. Rastreemo-las nos seus versos.
 No soneto XXIX do livro II, lamentando o olvido em que jaziam os grandes nomes de Portugal, congratula-se pelo apparecimento dum cantor dessas glorias:

Eis que já vos nasceu hum novo sprito
De cuja voz sereis no Mundo ouvidos,
Por cuja mão sayreis da sepultura.

Duas vidas, dous lumes concedidos
Vos são, de que alça a fama immortal grito.
Vida no verso, vida na pintura.
 (Pag. 40 do 1º vol. da ed. de 1829.)

 Quem seria este "novo sprito"? Ocorre o nome de Jeronymo Côrte-Real, que foi poeta e pintor.
 Sentimento quasi analogo se expressa na ode I do livro I, imitada do Livro III, de Horacio:

 Fuja daqui o odioso
 Profano vulgo, eu canto
 As brandas Musas, a hus spritos dados
 Dos ceos ao novo canto
 Heroico e generoso
 Nunca ouvido dos nossos bõs passados.
 Neste sejam cantados
 Altos Reys, altos feitos,
 Costume-se este ar nosso á lira nova.
 Acendei vossos peitos,
 Ingenhos bem criados,
 Do fogo, qu'o Mundo outra vez renova.
 Cad'um faça alta prova
 De seu sprito em tantas
 Portuguesas conquistas, e victorias,
 De que ledo t'espantas,
 Oceano, e dás por nova
 Do Mundo ao mesmo Mundo altas historias.
 (Ibidem, pag. 111.)

 Na ode I do livro II annuncia jubilosamente ao infante D. Duarte, filho de D. Manuel I, que o poeta Pedro de Andrade Caminha se propõe celebra-lo:

 Serás escrito, e em alto som cantado
 Da grave e doce lira
 D'Andrade pera ti só dos Ceos dado,
 Que á gloria, a que já aspira,
 Igual favor lhe inspira
 Teu animo, Duarte,
 Planta real, honra de Apollo e Marte.
 Aos teus altos tropheus, que levantados  
 Com tanto espanto, e gloria  
 Já vejo; aos triumphaes arcos ornados
 Das prêsas de victoria
 Alta, e immortal memoria
 Dará, e vivo na terra
 Deixando teu grã nome em paz, e em guerra.
 (Ibidem, pag. 129.)

 Na ode VIII, do livro I, exhorta D. Antonio de Vasconcellos a glorificar no verso heroico os feitos portugueses:

 Té quando assi, cruel, o peito duro,
 Das nove irmãs morada
 Cerrarás, como ingrato ao dom divino?
 Té quando assi negada
 Do liquor doce e puro
 Nos será a copia, e parte igual devida
 Do lume, de que tu foste assi digno?
 Não te foy dada a vida,
 Não esse sprito aceso em alto fogo
 Para ti só; nosso he, o nosso queremos.
 Vença já o justo rogo
 Á dura força, Antonio, e restituida
 Nos seja a parte já do que em ti temos.
 Eu digo o canto teu, eu digo a lira,
 Que te dá o louro Apollo,
 Para honra sua e para gloria nossa,
 Que d'hum ao outro polo
 Soará; já te inspira
 Novo furor, ah solta o doce canto,
 Contra o qual nunca inveja, ou tempo passa!
 Tardas, cruel, e em tanto
 Altos Reys, altas armas perdem nome.
 Escruece-se o Amor, quem ha, qu'o abrande?
 Quem ha, qu'a cargo tome
 As victorias de fama, e eterno espanto
 Dos Reys passados, quaes Deos sempre mande?
 Altas victorias, em que tanta parte
 Tem inda os tão chegados
 Teus avós ao Real sangue, ás altas Quinas,
 De louro coroados
 Por mão do bravo Marte;
 Ah porque lhes serão por ti negadas
 As altas Rimas de seus nomes dignas?
 As bandeiras tomadas
 A Reys vencidos em tão justas guerras,
 Aquellas fortes mãos, que coroavam Reys grandes em suas terras
 Por ferro, e fogo de tão longe entradas  
 A ti seu sangue já s'encomendavam.
 Mas em quanto tua sorte te não chama
 Das armas á dureza.
 (Inda tempo virá) com as Musas paga
 Á antiga fortaleza
 Dos teus, á imortal fama
 Que por exemplo ao mundo sempre viva
 Contra a morte cruel, que tudo apaga;
 Outr'hora a chama viva,
 Qu'o cego moço, onde quer, acende,
 Com teus suaves versos nos abranda.
 E a que nos tanto offende
 Cruel aljaba sua lhe cattiva.
 Isto te pede Apollo, isto te manda.     
(Ibidem, pag. 126-28.) (...)»
  
FIGUEIREDO, Fidelino de. Antonio Ferreira e a idea fixa da epopea. In: A Épica Portuguesa no século XVI. Edição fac-similada com apresentação de Antônio Soares Amora. São Paulo: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1950. pp. 281-284.




Letícia Valle